Áurea
Faço poemas
em versos negros
e versos brancos
para que todo poema
seja livre.
Áurea
Hago poemas
en versos negros
y versos blancos
para que todo poema
sea libre.
Insurrecto
Misérrima
vida
de favela
que vivi.
Desvalida
vida ávida,
desprovida,
vida sem brio,
sob pontes,
sobre rios...
Vi-a vil,
hostil,
dividida.
Quisera vê-la
à luz de velas,
baixelas...
Ah! Vida vil,
vil vida.
Viu vida mais vil?
Viu?
Ó Orco!
Ao me vires,
vil verme,
ousarei vê-la
in extremis
à luz de velas!
Insurrecto
Misérrima
vida
de favela
que viví.
Desvalida
vida ávida
desprovista,
vida sin brío,
bajo puentes,
sobre ríos.
La vi vil,
hostil,
dividida.
Quisiera verla
a la luz de velas,
vajillas...
¡Ah! Vida vil,
vil vida.
¿Vio vida más vil?
¿Vio?
Oh Orco!
Al verme
vil gusano,
osaré verla
in extremis
a la luz de velas!
Invólucro
Idiota! Não vês que nada és?
Apenas fina capa bolorenta te protege
da podridão. Vermes famintos te rodeiam.
Ignoras que num lance mágico, num segundo apenas
cai por terra toda a altivez e o belo
papel-presente revela a fétida massa?
O gosto amargo do fel, a visão incerta,
o entortar das pernas, o descontrole total...
tudo é inevitável!
Mais dia menos dia serás presa fácil:
o tempo é impiedoso.
O trágico fim independe de tua vontade.
A arrogância que despejas não passa
de faceta inútil das tuas diversas faces
vãs e mundanas.
Ao sol poente, o rosto murcho e os ossos corroídos
doerão mais do que naqueles que tiveram
a precaução e o bom senso de serem
simples e ocultos.
Restarão teus lindos cabelos...
E que utilidade terão teus cabelos, fios
órfãos e subterrâneos, dispersos, opacos
sobre os ossos?
Envoltura
¿Idiota! ¿No ves que nada eres?
Apenas fina capa mohosa te protege
de la podredumbre. Gusanos hambrientos te rodean.
¿Ignoras que en un pase mágico, en un segundo apenas
cae por tierra toda la altivez y el bello
papel de regalo revela la fétida masa?
El gusto amargo de la hiel, la visión incierta,
el torcerse de las piernas, el descontrol total...
todo es inevitable!
Cualquier día serás presa fácil:
el tiempo es impiedoso.
El trágico fin no depende de tu voluntad.
La arrogancia que derramas no pasa
de ser faceta inútil de tus diversas faces
vanas y mundanas.
Al sol poniente, el rostro marchito y los huesos corroídos
dolerán más que en aquellos que tuvieron
la precaución y el buen tino de ser
simples y ocultos.
Quedarán tus lindos cabellos...
¿Y qué utilidad tendrán tus cabellos, hilos
huérfanos y subterráneos, dispersos, opacos
sobre los huesos?
Transição
É tão fria a cova e tão escuro o horto
onde depositam meu corpo doente!
_ Como a cova é fria se o corpo é morto?
A partir de agora só a alma sente...
Ah! Esta cama rude onde estou deitado
e este quarto escuro e tão bem fechado!
Tento levantar, mas estou tão cansado...
Que rumor é esse ali no quarto ao lado?
Há um jardim bem perto: sinto o odor das flores.
Quero levantar, mas estou tão cansado...
Estou tão cansado mas não sinto dores.
E o rumor aumenta ali no quarto ao lado.
_ Desçam o caixão! _ diz alguém lá fora.
Quem morreu enquanto estive dormindo?
Bem perto da porta ouço alguém que chora,
lamentando a sorte de quem vai partindo.
Quero levantar, faço força tamanha
mas tenho as mãos inertes e o corpo duro.
Agora o padre reza numa língua estranha,
enquanto fico preso neste quarto escuro.
Está caindo terra sobre o telhado.
Parece que o mundo está desabando...
Falta-me o ar neste quarto fechado
e lá fora há uma multidão chorando.
Sinto um tremor leve, um breve arrepio...
Já quase nada mais estou sentindo.
Por que não me tiram deste quarto frio?
Alguém morreu enquanto estive dormindo.
É tão fria a cova e tão escuro o horto
onde depositam meu corpo doente!
_ Como a cova é fria se o corpo é morto?
A partir de agora só a alma sente...
Transición
Es tan frío el hueco y tan oscuro el huerto
donde depositan mi cuerpo doliente!
_ ¿Como el hueco es frío si el cuerpo está muerto?
A partir de ahora sólo el alma siente...
Ah! Esta cama tosca donde estoy echado
y este cuarto oscuro y tan bien cerrado!
Quiero levantarme, pero estoy cansado...
¿Que rumor es ese en el cuarto al lado?
Hay un jardín cerca: siento aroma a flores.
Quiero levantarme, pero estoy cansado...
Estoy tan cansado pero sin dolores.
Y el rumor aumenta en el cuarto al lado.
_ ¡Bajen el cajón! _ dice alguno ahora.
¿Quien murió en tanto estuve durmiendo?
Cercano a la puerta oigo alguien que llora,
lamenta la suerte de quien va partiendo.
Quiero levantarme, con fuerza tamaña
inertes mis manos y mi cuerpo duro.
Reza el sacerdote en una lengua extraña,
mientras quedo preso en este cuarto oscuro.
Va cayendo tierra sobre el tejado.
Parece que el mundo se está derrumbando...
El aire me falta en el cuarto cerrado
y una multitud está afuera llorando.
Siento un temblor leve, un escalofrío...
Ya casi nada más estoy sintiendo.
¿Por qué no me sacan de este cuarto frío?
Alguien murió mientras estuve durmiendo.
Es tan frío el hueco y tan oscuro el huerto
donde depositan mi cuerpo doliente!
_ ¿Como el hueco es frío si el cuerpo está muerto?
A partir de ahora sólo el alma siente...
Traducción: Graciela Cariello
Remisson Aniceto nasceu em Nova Era, pequena e aconchegante cidade do interior de Minas, próxima à Itabira de Drummond. Desde muito cedo tomou gosto pela leitura, incentivado pelo seu pai que não dispensava nem bula de remédio. Arredio como bicho do mato, escondia-se entre as árvores do quintal sempre que sua família recebia visitas. Ali, ficava lendo horas a fio. Começou a escrever aos oito anos e pouco depois lia alguns clássicos na biblioteca pública (não tinha condições de comprar livros). Dessa forma conheceu Machado, Cecília, Sabino, Quintana, Pessoa, Eça, Goethe, Rilke, Garcia Marquez... Seu namoro com a leitura e a escrita auxiliou muito na sua integração social. Sempre imaginou que algum dia atravessaria as montanhas para ver o Drummond - afinal, moravam bem próximos - mas, como ele já havia advertido bem antes, "tinha uma pedra no meio do caminho". Alguns anos depois, em 1987, o poeta viajou e nunca mais reapareceu. Mudou-se para São Paulo em 1979, à procura de trabalho. Em 1983 o jornal A Gazeta Esportiva, de São Paulo, publicou um poema seu e em 1984 e 1985 foi premiado nos Concursos de Contos e Poesias da CMTC (SP). Nos anos seguintes continuou escrevendo - principalmente poesia - e em 2006 conseguiu o 2º lugar no Prêmio Cataratas, da Fundação Cultural de Foz do Iguaçu (PR), com a poesia "Transição" e uma menção honrosa no Prêmio Cidadão de Poesia, de Limeira, com o mesmo trabalho. Em seguida, outra menção honrosa com o soneto "Classificado", no Prêmio Filogônio Barbosa (ES). Sua poesia "Herança" também recebeu o prêmio de edição no Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Poesia 2007, cujo livro está no prelo. Suas resenhas no site www.leialivro.sp.gov.br são muito comentadas e lidas nas rádios da Rede USP (SP). Sempre que tal acontece, recebe livros à sua escolha. De 1982 até 2002 teve poesias suas divulgadas em quatro coletâneas, ambas esgotadas. Alguns sites e jornais de pequenas tiragens já estão divulgando seu trabalho. Descoberto o caminho, agora é prosseguir.